Em 2023, um centro regional de farmacovigilância francês relatou o caso de uma senhora de 80 anos que havia recebido amiodarona intravenosa em dose alta por 4 dias para tratar um episódio de fibrilação atrial, que ocorreu após um procedimento de substituição da válvula mitral (1). Três semanas depois do ocorrido, ela desenvolveu dispneia com hipóxia, atribuída a edema pulmonar agudo, associada a um segundo episódio de fibrilação atrial. A paciente recebeu novamente amiodarona em dose alta. A fibrilação atrial se resolveu, porém os problemas respiratórios persistiram, com o início de uma tosse seca. A radiografia de tórax mostrou opacificação pulmonar, interpretada como pneumonia infecciosa, e o tratamento com antibióticos foi iniciado. Os sintomas respiratórios pioraram. Uma tomografia do tórax mostrou imagens pulmonares em “vidro fosco”, indicativas de doença pulmonar intersticial. A amiodarona foi interrompida, mas o paciente morreu. O exame pós-morte confirmou a presença de fibrose pulmonar [1].
Doses altas de amiodarona são um fator de risco para doença pulmonar, que também pode ocorrer durante o tratamento de manutenção com doses mais baixas. Por exemplo, um homem de 65 anos que tomava amiodarona em uma dose de 100 a 200 mg por dia há 15 meses apresentou tosse seca apirética, dispneia aos esforços e hipoxemia. A biópsia pulmonar mostrou pneumonia organizativa. O quadro regrediu após a interrupção da amiodarona e o tratamento com corticosteróide. Cerca de dois anos depois, foi reintroduzida a amiodarona, os problemas retornaram e mais uma vez regrediram quando o medicamento foi retirado [2].
A identificação rápida do papel da amiodarona permite a interrupção imediata do medicamento, com ou sem tratamento com corticosteróides, com o objetivo de evitar a progressão para fibrose pulmonar com falha respiratória irreversível. Os resumos franceses das características do produto (SmPCs) para produtos que contêm amiodarona mencionam a doença pulmonar intersticial como um efeito adverso frequente. No entanto, nem os SmPCs nem os folhetos de informação ao paciente advertem sobre o perigo de reintroduzir o medicamento após a ocorrência de doença pulmonar intersticial associada à amiodarona [3].
NA PRÁTICA Essas observações ilustram os perigos de um diagnóstico impreciso e da reintrodução inadequada da amiodarona após um episódio inicial de doença pulmonar intersticial. É importante considerar o possível papel da amiodarona em pacientes com sintomas respiratórios, para que o medicamento possa ser descontinuado sem delongas. Também é importante informar os pacientes e os profissionais de saúde que poderiam prescrever o medicamento, para evitar qualquer exposição adicional.
Referências