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Novidades sobre a Covid

O trabalho de Didier Raoult é questionado

Salud y Fármacos
Boletim Fármacos: Ética 2024; 2(3)

Tags: INSERM, IHU, pandemia de covid, promoção da hidroxicloroquina, estudos não éticos, experimentos sem aprovação ética, abuso de participantes de ensaios clínicos, estudos de tratamento de tuberculose, Elisabeth Bik, politização da resposta à pandemia de covid, Retraction Watch

A Science publicou um artigo sobre as pesquisas que Didier Raoult tem estado realizando desde 2010 [1]. A seguir, resumimos os pontos relacionados à suas pesquisas relacionadas com a covid e outras pesquisas realizadas durante a pandemia.

Didier Raoult é um cientista do Senegal que vive na França. Ele é conhecido principalmente por seu trabalho com rickettsias e por sua descoberta de grandes vírus. Ele já recebeu muitos prêmios, incluindo o Grande Prêmio de 2010 da agência francesa de pesquisa biomédica INSERM. Ele conta com mais de 3.200 artigos indexados na PubMed.

Em 2011, Raoult assumiu o cargo de diretor do IHU (Hospital Institute of Marseille Mediterranean Infection) em Marselha, um dos seis hospitais de pesquisa de última geração estabelecidos pelo governo do então presidente Nicolas Sarkozy. O IHU, que se especializa em pesquisas sobre doenças infecciosas, foi inaugurado com um subsídio governamental de €72 milhões.

O IHU tem muito poder e, quando surgiu a covid, todos queriam saber a opinião de Raoult e de seu instituto sobre a situação. Raoult estava continuamente nos meios de comunicação. As declarações confiantes de Raoult chamaram a atenção de Fabrice Frank, um biólogo que havia se mudado da França para o Marrocos, onde fundou uma empresa de tecnologia da informação (TI), e observou com surpresa quando Raoult afirmou (com evidências mínimas, com base em pesquisas pouco detalhadas da China) que a hidroxicloroquina (HCQ), ou o medicamento relacionado fosfato de cloroquina, era um tratamento eficaz.

Víctor García, jornalista da revista francesa L'Express, observou que os cientistas nas mídias sociais expressavam ceticismo sobre as alegações de Raoult, mas quando ele ligou para o IHU para fazer algumas perguntas, não deram a ele uma resposta aceitável. 

No dia 11 de março de 2020, o ministro da saúde francês Olivier Véran convidou Raoult para fazer parte do Conselho Científico que assessorava o governo na resposta à pandemia. Alguns dias depois, Raoult e sua equipe publicaram um artigo explosivo na Revista Internacional de Agentes Antimicrobianos, informando que o IHU havia descoberto que a HCQ combinada com o antibiótico azitromicina era eficaz contra a covid-19.

Embora os resultados fossem preliminares e outras pesquisas duvidassem das conclusões de Raoult, o entusiasmo pelo HCQ cresceu, e o presidente dos EUA, Donald Trump, começou a promovê-lo. Em 26 de março, apesar da oposição de outros membros do conselho científico, o ministro da saúde emitiu um decreto permitindo que a HCQ fosse prescrita para pacientes internados com covid-19.

A especialista em integridade científica Elisabeth Bik decidiu dar uma olhada mais de perto no artigo sobre a HCQ. Bik apontou vários problemas: os pacientes não haviam sido distribuídos aleatoriamente entre os grupos de tratamento e de controle, o que poderia ter influenciado os resultados; e os dados de seis dos 26 pacientes tratados com HCQ foram removidos (incluindo três que foram transferidos para a terapia intensiva e um que morreu), favorecendo os benefícios do tratamento. Ademais, descobriram que o artigo tinha sido aprovado para publicação em 24 horas e que um dos autores era também editor-chefe da revista. 

Durante as semanas seguintes, mais dois estudos escritos por pesquisas do IHU apareceram, com prazos de revisão por pares excepcionalmente curtos, ambos em uma revista em que um dos autores era editor associado. Um desses artigos era um segundo estudo que usava HCQ para tratar 80 pacientes hospitalizados com covid-19 "levemente infectados"; quase todos eles melhoraram clinicamente. No entanto, esse estudo não havia sido aprovado por um Comitê de Proteção de Pessoas (CPP), mas os pesquisadores se defenderam dizendo que era um estudo retrospectivo. 

Apesar das críticas, os franceses seguiram confiando em Raoult, e 30% confiavam mais em Raoult do que no ministro da saúde. 

Enquanto isso, os críticos Frank, Gracía e Bik (entre outros) começaram a analisar as pesquisas de Raoult. Bik encontrou mais estudos que pareciam não ter aprovação ética adequada. García, em julho de 2021, publicou uma pesquisa no L'Express em que afirmava ter encontrado 17 estudos, realizados entre 2011 e 2020, a maioria envolvendo pessoas em situação de rua ou refugiados, que haviam usado o mesmo número de aprovação ética, embora os estudos usassem métodos diferentes para responder a perguntas de pesquisa diferentes. Frank encontrou 248 estudos que usaram o número de aprovação "09-022", representando uma única solicitação ao comitê de ética da IHU.

Raoult foi autor de todos menos 10 dos 248 estudos, e disse à Science que todos esses artigos reutilizaram o número de aprovação ética. Mas isso era permitido, porque nenhuma das pesquisas é regida pela lei francesa de bioética, disse ele. Muitos dos artigos envolviam crianças, e quase metade deles foi realizada fora da França (principalmente em vários países africanos).

O artigo publicado na Science contém uma tabela de todos os estudos que foram questionados por falta de avaliação ética. As pesquisas afirmam que não foi necessário obter, embora muitos envolvessem populações vulneráveis.

Mais de 18 meses depois que Bik questionou os métodos e as aprovações éticas em seu blog, as autoridades francesas iniciaram as inspeções no IHU. Em outubro de 2021, a Agência Nacional Francesa para a Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde (The French National Agency for the Safety of Medicines and Health Products o ANSM) disse que detectou violações da lei e encaminhou o assunto ao promotor público, que ainda estava fazendo pesquisas. O governo francês também pediu a dois órgãos de fiscalização, a Fiscalização Geral de Assuntos Sociais e a Fiscalização Geral de Educação, Esporte e Pesquisa, que investigassem.

Raoult diz que essas inspeções surgiram de uma "pequena conspiração para fazer parecer que estávamos realizando um ensaio ilegal de um tratamento de tuberculose" (de acordo com um relatório da imprensa, os pacientes de tuberculose do IHU haviam recebido tratamentos não comprovados). Raoult diz que as agências não encontraram ensaios ilegais e apenas três problemas menores com outros projetos de pesquisa. Porém, tanto o relatório da ANSM, publicado em abril de 2022, quanto o relatório das agências de auditoria, publicado cinco meses depois, observaram que os pacientes do IHU haviam recebido tratamento não aprovado contra a tuberculose e alguns sofreram efeitos adversos graves. De acordo com os órgãos de fiscalização, isso poderia constituir um ato criminoso. Eles também descreveram preocupações éticas semelhantes às levantadas por Frank, García e outros.

Os órgãos de auditoria governamentais observaram que o IHU dependia muito de seu comitê de ética interno, "cuja composição não garante suficientemente sua independência e cujos métodos de trabalho não permitem uma decisão informada"; e a ANSM descreveu projetos de pesquisas que iniciaram sem aprovação ética, faltando formulários de consentimento e alguns pesquisadores não entendiam as regulamentações éticas. 

Os fiscais informaram que o INSERM, que ajudou a fundar e administrar o IHU, se retirou do instituto em 2018. Um representante do INSERM disse que descobriu que vários projetos de pesquisa não atendiam aos seus padrões científicos. O CNRS se retirou em 2016 e não tem "nenhuma conexão" com o IHU desde 2019, de acordo com um representante. 

O fiscalizador ainda não emitiu sua opinião sobre o caso. 

Apesar do intenso escrutínio de seu trabalho, em abril de 2023, Raoult e seus colegas publicaram um rascunho que novamente causou alvoroço nas mídias sociais. Raoult e seus colegas analisaram dados de 30.202 pacientes com covid-19 tratados no IHU entre março de 2020 e dezembro de 2021, incluindo 23.172 que haviam recebido uma combinação de HCQ com azitromicina. Porém, a França havia retirado a permissão temporária para tratar pacientes hospitalizados com covid-19 com HCQ em maio de 2020, depois que um artigo no The Lancet informou que a HCQ não era um tratamento eficaz para a covid-19. (Esse artigo foi posteriormente retirado, depois que os dados foram contestados, mas o estudo RECOVERY também mostrou que era ineficaz). 

O estudo também não relatou nenhuma aprovação por CPP, a seção de ética lista apenas o número de referência do comitê de ética do IHU. Porém, no dia 30 de outubro, o artigo foi publicado na revista New Microbes and New Infections, da Elsevier. Quatorze órgãos científicos, incluindo a coalizão nacional de comitês de ética e a Sociedade Francesa de Farmacologia e Terapêutica, assinaram uma carta relatando os problemas éticos, que foi publicada no Le Monde, e em junho de 2023, a ANSM anunciou que havia levado o assunto de volta para a fiscalização.

Nos últimos meses, o IHU sofreu mais abalos, começando com a retratação de dois artigos da Scientific Reports em outubro de 2023 por falta de evidências de supervisão ética no Níger e no Senegal, onde os estudos foram realizados. Os dois estudos são "parte de uma pesquisa mais ampla sobre possíveis problemas éticos em vários artigos", de acordo com o representante.

As revistas PLOS sinalizaram quase 50 outros artigos do IHU com expressões de preocupação, como parte de uma pesquisa em andamento que a Retraction Watch relatou em dezembro de 2022. Em novembro de 2023, a diretoria do hospital de Marselha disse à agência de notícias AFP que "condenava fortemente" o estudo maciço da HCQ. O IHU disse que "compartilhava" a reação da diretoria do hospital. E a Elsevier anunciou que a New Microbes and New Infections havia aberto uma investigação sobre preocupações éticas em relação aos artigos do IHU publicados na revista. 

Em dezembro, os ministros da saúde e da pesquisa Franceses pediram a um órgão disciplinar que supervisiona os hospitais universitários para iniciarem um processo contra os três coautores de Raoult no grande estudo sobre a covid-19, que trabalham no IHU, mas não contra Raoult, que se aposentou no verão de 2021.

A disputa afetou os críticos. Eles não apenas sofreram abusos dos seguidores de Raoult nas mídias sociais, mas também reclamaram com seus superiores no local de trabalho e Raoult ameaçou com processo. De fato, ele levou Bik para a justiça, mas perdeu.

Alguns dizem que a resposta institucional da França foi inaceitavelmente fraca. Houve "falhas em todos os níveis", diz García: no Ministério da Saúde; no sistema judiciário; no conselho da universidade e do hospital regional, que supervisionava o IHU; e na ANSM, que só realizou uma inspeção completa quando a notícia foi publicada na mídia. As editoras de revistas também demoraram para reagir. 

Na França, a estreita relação entre os poderes políticos e as instituições científicas também é responsável pela demora na resposta institucional.

Fonte Original

  1. Cathleen O’grady. THE RECKONING. Didier Raoult and his institute found fame during the pandemic. Then, a group of dogged critics exposed major ethical failings’ A version of this story appeared in Science, Vol 383, Issue 6687.7 de marzo de 2024 https://www.science.org/content/article/failure-every-level-how-science-sleuths-exposed-massive-ethics-violations-famed-french
creado el 15 de Noviembre de 2024