Integridade da Ciência

Um detetive científico e uma mãe que quase perdeu a filha devido a uma doença hormonal juntaram-se em janeiro para denunciar uma série de artigos que se equivocaram com o nome de um medicamento para mulheres grávidas. Recentemente, começaram a ver os frutos do seu trabalho: uma retração e três correções.

Em 2014, Tara Skopelitis, uma gerente de laboratório no Cold Spring Harbor Laboratory, recebeu injeções semanais de progesterona para evitar o nascimento prematuro de sua filha, conforme relatado pela STAT. Seis anos depois, depois que sua filha apresentou sintomas de uma condição hormonal desconhecida que ainda não foi formalmente diagnosticada, Skopelitis descobriu que ela deveria ter recebido a variante de progesterona sintética 17α-hidroxiprogesterona caproato, muitas vezes referida como 17-OHPC, 17P, vendida como Makena. Em um momento onde o medicamento não estava disponível, o médico encomendou o substituto errado a uma farmácia de manipulação. Skopelitis suspeita que o estado da sua filha pode ser o resultado do erro.

O confundimento está na literatura, diz Skopelitis: Muitos ensaios clínicos e artigos referem-se ao 17P como progesterona intramuscular, como se fossem intercambiáveis ou até um mesmo composto.

Mesmo que o 17P tenha sido aprovado pela FDA há algum tempo e tenha sido testado em vários ensaios clínicos, “a progesterona intramuscular nunca foi testada quanto à segurança ou recomendada para uso na prevenção do trabalho de parto prematuro”, disse Skopelitis.

Skopelitis identificou 69 artigos que designam incorretamente o 17P como progesterona intramuscular. Ela contou com a ajuda de Sholto David, um detetive e cientista que ajudou a gerenciar a sua correspondência com os periódicos que publicaram os artigos. “É uma história nos faz parecer teóricos da conspiração. No início, tive dificuldade em ouvir a Tara”, David disse para nós por email.

Uma retração recente leva a dupla um passo mais perto de corrigir o corpo da literatura em torno da progesterona intramuscular. O Jornal de Medicina Materno-Fetal e Neonatal (Journal of Maternal-Fetal & Neonatal Medicine) em junho retratou o artigo de 2012, Amostras pareadas de progesterona micronizada intramuscular em comparação com vaginal para prevenção de parto prematuro (“Matched sample comparison of intramuscular versus vaginal micronized progesterone for prevention of preterm birth”) [1]. Este estudo foi um caso especial, porém, já que “os autores parecem ter realmente usado progesterona intramuscular, sob a impressão de que simplesmente não tem diferença em relação à 17P”, escreveu David em um e-mail para um membro do conselho editorial em fevereiro.

A progesterona intramuscular nessa dose “nunca foi testada em termos de segurança e ninguém mesmo acreditou que fosse eficaz”, escreveu David. “Toda a premissa do estudo parece ter sido baseada num mal-entendido de nomenclatura”.

Ele também observou que os autores compararam os seus resultados com ensaios de 17P intramuscular, mais uma prova de que eles acreditavam que os dois compostos eram intercambiáveis, disse ele.

David enviou a correspondência sem resposta para o departamento de ética da editora da revista, Taylor and Francis, em abril. Julia Gunn, gerente responsável por integridade de pesquisa, respondeu em junho que o artigo tinha sido retirado.

De acordo com o aviso de retração, quando a revista contactou os autores, estes foram informados de que Mohamed Nabih EL-Gharib, o autor principal e correspondente do estudo, indicado como pesquisador da Universidade de Tanta, no Egito, tinha morrido. O segundo autor, T. M. EL-Hawary, também pesquisador na Universidade de Tanta, “não forneceu respostas aos nossos questionamentos sobre o estudo, os dados brutos para revisão, ou provas para confirmar que o estudo estava em conformidade com as políticas don periódico”, afirma o aviso.

EL-Hawary não respondeu ao nosso pedido de comentários. Ele também publica pesquisa sob o nome “Tarek Elhawary”.

“Quanto a saber se o ensaio realmente aconteceu, é certamente bastante provável que tenha sido apenas inventado”, disse David ao Retraction Watch em um e-mail. Na verdade, investigadores identificaram muitos ensaios clínicos fabricados na literatura obstétrica. Se o medicamento fosse usado como descrito no estudo, “as consequências seriam grandes”, David nos disse.

Uma série de outros artigos que cometeram o mesmo erro de nomenclatura passaram por correções.

O artigo que parecia ser a origem do confundimento, “Prevenção do parto prematuro recorrente por 17 alfa-hidroxiprogesterona caproato”, foi publicado no New England Journal of Medicine em 2003 [3]. O periódico emitiu uma correção em junho de 2024, após a solicitação de David e Skopelitis.

O Jornal Americano de Obstetrícia e Ginecologia MFM (American Journal of Obstetrics and Gynecology MFM) emitiu uma correção para um artigo de 2020 em setembro, afirmando que “a progesterona intramuscular deve ser substituída por 17α-hidroxiprogesterona caproato (17-OHPC) no título e em todo o corpo do artigo [4]”.

Também em setembro, uma correção de vários artigos [16] foi emitida pelo Jornal Americano de Obstetrícia e Ginecologia (American Journal of Obstetrics and Gynecology, AJOG). Ela se aplica a sete estudos e ensaios controlados. Os autores “lamentam que tenha havido casos em que os termos progesterona e caproato de 17α-hidroxiprogesterona (17-OHPC) tenham sido usados de forma intercambiável”, de acordo com o aviso.

Roberto Romero, editor-chefe da AJOG, disse ao Skopelitis num email visto pelo Retraction Watch que contactou a Elsevier, e “a editora concorda que há necessidade de correcções de todas as instâncias em que existem imprecisões”. A Elsevier não respondeu ao nosso pedido de comentário.

“Centenas de médicos erraram de forma preguiçosa o nome de um medicamento e foi permitido que isso se espalhasse por literatura revista por pares com sérias implicações para os cuidados dos pacientes”, David nos disse. “Isso não pode ser apenas um momento de ‘opa’”.