Acesso inédito a documentos revela que gigantes da indústria farmacêutica intimidaram a África do Sul nas negociações das vacinas da Covid-19 – O relatório da Iniciativa de Justiça Sanitária (Health Justice Initiative, HJI) titulado As Negociações,
Unilaterais – Parte 2 (“The Negotiations, One Sided- Part 2”) já está disponível no site da HJI.
Cidade do Cabo, 16h00, terça-feira, 21 de maio de 2024– Hoje, a HJI divulgou a segunda parte de sua análise sobre a negociação e a obtenção de vacinas contra a COVID-19 pelo governo da África do Sul. Assim como o relatório anterior [1] divulgado em setembro de 2023 sobre os contratos, a HJI concluiu em sua análise dos documentos divulgados no final de 2023, por ordem do Tribunal Superior, que mesmo as negociações durante uma pandemia favoreceram significativamente as corporações farmacêuticas multinacionais, em detrimento do interesse público.
Com o apoio da Public Citizen e outros, a HJI analisou a documentação referente às negociações com várias empresas e entidades e, em particular, os documentos de negociação com duas empresas: Moderna e Pfizer. A África do Sul acabou não comprando vacinas da Moderna, mas está claro que ela entrou em negociações, e essas negociações foram regidas por um acordo de confidencialidade.
Esses registros de negociação e acordos de divulgação e de confidencialidade são o que as empresas farmacêuticas não querem que o público mundial conheça, e agora está claro o porquê. Uma descoberta sem precedentes dos objetivos e das táticas dessas empresas revela uma estratégia de maximização de lucros contra um país que tem dificuldade para manter a população saudável, protegendo-se da responsabilidade por quaisquer problemas associados às entregas e colocando o peso da importação das vacinas sobre o próprio governo da África do Sul, entre outros.
Fatima Hassan, diretora da HJI, considera que “a análise dos documentos de negociação, semelhante ao relatório anterior dos contratos, demonstra um padrão de intimidação e tentativas de obter termos unilaterais, especialmente por parte das grandes farmacêuticas Moderna e Pfizer, enquanto lucravam com uma crise de saúde global. É inconcebível que as empresas, seus advogados e CEOs tenham exercido tal poder, forçando os países a fazer concessões, quando mais precisávamos de fornecimento.”
Além disso, as tentativas dessas empresas de obter preços altos e monopolistas para vacinas que salvam vidas estão documentadas e claras para todos verem – isso deveria influenciar os atuais debates em Genebra para negociar um acordo sobre pandemias “O poder absurdo que os CEOs têm em crises de saúde deve ser abordado com urgência e de forma resoluta”, diz Hassan.
“O que esses documentos deixam claro é que as empresas podem e irão explorar as condições das crises de saúde pública para coagir os governos, principalmente de países de baixa e média renda, a aceitar acordos abusivos sobre o fornecimento de medicamentos que salvam vidas. Os esforços internacionais para lidar com futuras crises de saúde pública, como o acordo sobre pandemias, devem incluir provisões e proteções para conter esses interesses corporativos e garantir o fornecimento rápido e igualitário de contramedidas essenciais para todos”, afirma Jishian Ravinthiran, pesquisador da Public Citizen.
Os documentos da negociação e a análise da HJI mostram que a Moderna adotou a abordagem mais agressiva para se isentar de qualquer responsabilidade pública em relação ao fornecimento das vacinas. Ela também exigiu:
Em relação à Pfizer, os documentos de negociação também mostram que as autoridades da África do Sul tentaram destacar a natureza unilateral das negociações e incluir cláusulas para mitigar o poder e o controle sem restrições que a Pfizer buscava exercer sobre o acordo de fornecimento, mas, no final, não obtiveram sucesso. Os representantes do governo destacaram nas minutas dos contratos de fornecimento vários comentários, incluindo: “Precisamos ser capazes de divulgar e prestar contas…”.[4]
A rejeição de todas as emendas propostas pela Pfizer é um excelente exemplo do poder corporativo concentrado que se sobrepõe aos interesses públicos. Deveria ser alarmante a todos que uma empresa privada possa intimidar um país dessa forma. Empresas privadas terem a capacidade de operar nas sombras não é bom para ninguém, a não ser para as próprias empresas, especialmente com o NHI que será implementado em breve na África do Sul”, disse Hassan.
A Pfizer rejeitou medidas que permitiriam a divulgação de informações confidenciais em circunstâncias de emergência e para estimular a transparência e a confiança no programa de vacinação. Isso ocorreu apesar dos esforços dos representantes do governo da África do Sul em revisar as severas restrições de confidencialidade, referindo-se à resolução da Assembleia Mundial da Saúde (World Health Assembly, WHA) sobre a transparência dos mercados de medicamentos, vacinas e outros produtos de saúde. Além disso, os representantes do governo alertaram que essas medidas podem dificultar a supervisão dos legisladores e escritório do Auditor Geral da África do Sul.
“A totalidade dos acordos assinados e os documentos de negociação mostram que essas empresas queriam sigilo e nenhuma transparência, lucrando às custas do público durante a pandemia”, diz Hassan.
O relatório conclui que a intimidação contratual praticada pelas empresas farmacêuticas monopolistas prejudicou o programa de vacinação da África do Sul em detrimento de sua população. Ele pede a transparência obrigatória na aquisição de vacinas e medicamentos essenciais que utilizam recursos públicos em qualquer crise de saúde, especialmente no sistema do NHI que será implementado em breve, no qual o Estado será responsável pela aquisição de todos os suprimentos médicos aprovados pelo NHI.
Entretanto, a HJI acredita que tornar públicos os contratos e as negociações gera um importante precedente legal de que os suprimentos médicos financiados com recursos públicos não podem ser contratualmente mantidos em sigilo corporativo em crises de saúde.
“A vida da população deve vir antes do segredismo e ganância da indústria farmacêutica”, diz Hassan. “Essa conduta foi antiética; foi contra a nossa Constituição e não pode ser permitida em futuras crises de saúde nem no NHI na África do Sul.”
Notas do editor da Health Justice Initaitive
Margens de Lucro da Pandemia
A Big Pharma investiu em enriquecer os acionistas quase tanto quanto em P&D durante a pandemia, de acordo com aPeople’s Vaccine.
Estatísticas de suprimento durante a pandemia
Caso judicial da HJI
Sobre a HJI
A HJI é uma iniciativa dedicada à saúde pública e ao setor jurídico que aborda a interseção da desigualdade racial e de gênero. A HJI usa a lei, a pesquisa e a advocacia para lidar com as causas que geram desigualdade no acesso à saúde, visando garantir o acesso a diagnósticos, tratamentos e vacinas que salvam vidas. A HJI é representada pela Power and Associates nesse caso.
Notas no rodapé da página
[1] Divulgação Parte 1/a: Logo após a divulgação dos contratos de fornecimento de vacinas contra a COVID-19 da África do Sul, a HJI colaborou com um grupo de multistakeholders para realizar uma análise dos quatro acordos que divulgamos publicamente em setembro de 2023 com os contratos no site da HJI. O relatório dos multistakeholders, “One-Sided”: Vaccines Save Lives -Transparency Matters”, detalhou como os acordos de fornecimento de vacinas contra a COVID-19 beneficiaram consideravelmente as corporações multinacionais em detrimento do público da África do Sul. Ao analisar os contratos definitivos publicados devido à vitória legal da HJI pelo acesso dos contratos de fornecimento de vacinas, o grupo de multistakeholders explicou como as corporações aproveitaram as circunstâncias da pandemia e seu domínio monopolista sobre as vacinas para minimizar a transparência, evitar a responsabilização pelo atraso, ou até mesmo pela não entrega na íntegra das doses, e coagir o governo a oferecer fundos soberanos como garantia.
Embora o Relatório Multistakeholder de 2023 tenha apontado que os termos e condições eram amplamente unilaterais e favoreciam as corporações multinacionais, colocando os países do hemisfério sul e, consequentemente, suas populações, com exigências e condições excepcionalmente rigorosas, dentre elas a falta de transparência, e pouquíssima proteção contra o atraso ou a não entrega de suprimentos ou a inflação de preços, o que resulta em lucros ilícitos, a escala da manipulação contratual dessas corporações durante a pandemia fica mais clara diante da publicação dos documentos (Parte 2/b), que inclui a minuta dos contratos e as propostas de revisão e comentários do governo da África do Sul emitidos por representantes do ministério da saúde.
[3] A Moderna assegurou a mediação de quaisquer disputas em Nova Iorque, sujeita às leis do Estado de Nova Iorque, mas se isentou da exigência ao permitir que a Moderna buscasse uma medida preventiva em qualquer tribunal de jurisdição competente.
[4] Representante do governo da África do Sul em notas comentadas para a Versão 2 do Contrato Preliminar da Pfizer, em 33.
Referências