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Conduta da Indústria

Quinze multinacionais farmacêuticas têm mais de 1300 filiais em paraísos fiscais

(Quince multinacionales farmacéuticas disponen de más de 1.300 filiales en paraísos fiscales)
Maxence Peigné
Investigate Europe, 1 julio 2024
https://www.investigate-europe.eu/es/posts/deadly-prices-pharma-firms-stash-profits-in-europes-tax-havens-as-patients-struggle-with-drug-price
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ética 2024; 2 (4)

Nos últimos cinco anos, essas 15 empresas acumularam mais de €580 bilhões de lucro. Ao mesmo tempo, tem pacientes cujas vidas estão em risco porque não têm acesso a medicamentos devido aos altos preços estabelecidos pelas empresas.

Quando os médicos extraíram o tumor da axila de Miriam Staunton, há seis anos, disseram à irlandesa de 51 anos que ela tinha 70% de chance de que o câncer resurgisse. Porém, nos meses que se seguiram à operação, ela recebeu apenas radioterapia local e check-ups regulares, mas nenhum tratamento farmacológico.

“Eu me lembro de quando conheci o oncologista e ele disse que não estava em condições de me oferecer nada sistêmico naquele momento”, diz Staunton. “Na época, eu não entendia exatamente a o que ele se referia”, acrescenta.

O que Steunton não sabia era que teria que esperar o reaparecimento do melanoma um ano depois para ter direito a medicamentos eficazes, porém caros. Depois que o câncer progrediu para o estágio quatro, em fevereiro de 2019, ela começou o tratamento com Opdivo e Yervoy, fármacos de última geração usados no que é conhecido como imunoterapia (https://www.clinicbarcelona.org/asistencia/pruebas-y-procedimientos/inmunoterapia), que naquela época

eram restritos na Irlanda até nas formas mais graves de câncer devido ao seu preço elevado.

Em outras partes da Europa, Staunton poderia ter recebido o Opdivo logo após sua cirurgia. Em julho de 2018, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) aumentou a indicação do Opdivo para pacientes com melanoma em estágio três. Alguns países europeus o financiaram imediatamente, mas a Irlanda não. “Uma coisa é quando não existe uma cura, mas quando o tratamento existe e as pessoas não têm acesso a ele, isso está fundamentalmente errado”, critica Staunton, que agora está livre do câncer.

O motivo desse atraso é que a Irlanda e a fabricante de medicamentos estadunidense Bristol-Myers Squibb (BMS) não chegaram a um acordo sobre o preço do Opdivo. Quando a EMA aprova novos medicamentos para uso na UE, cada Estado precisa chegar a acordos de reembolso com os fabricantes individuais. As negociações podem ser demoradas, já que as empresas tendem a dar prioridade aos mercados ricos e os governos concordam em negociar descontos confidenciais por conta própria.

Enquanto isso, a indústria farmacêutica utiliza de forma sistemática os paraísos fiscais para acumular lucros e minimizar os impostos que são pagos. A Investigate Europe analisou as estruturas corporativas das 15 maiores empresas farmacêuticas da Europa e dos EUA, localizando 1.306 companhias em paraísos fiscais e territórios de baixa tributação.

Essas informações formam parte da pesquisa realizada pela Investigate Europe sobre os negócios das grandes empresas farmacêuticas, um projeto que envolve mais de 20 meios de comunicação europeus (você pode consultar aqui os artigos da série já publicados).

Essas jurisdições oferecem às empresas impostos baixos ou formas de transferir os lucros (às vezes os dois). Na Europa, pesquisadores e ativistas concordam quanto a Irlanda, a Holanda, a Suíça e Luxemburgo. De acordo com o relatório deste ano do Observatório Fiscal da União Europeia, um grupo de reflexão financiado pela UE, esses países estão entre os principais destinos do mundo para a transferência de lucros.

Essas estruturas ocultas em paraísos fiscais e territórios de baixa tributação ajudaram as 15 empresas farmacêuticas a acumular lucros de €580 bilhões nos últimos cinco anos.

Esse valor é superior aos seus custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), embora a indústria afirme com frequência que os altos preços dos medicamentos são essenciais para inovar e desenvolver novos fármacos.

“A evasão fiscal corporativa tem suas vítimas. Menos impostos significam menos investimentos em saúde na Irlanda e também repercussões negativas para os países do Sul Global”, diz Aideen Elliott, da Oxfam Ireland. “Nada do que essas empresas estão fazendo é ilegal, mas elas estão se aproveitando das normas de impostos corporativos”, explica.

A Investigate Europe entrou em contato com todas as empresas citadas neste artigo pedindo comentário. A AstraZeneca, a Bayer, a Eli Lilly, a Novartis, a Novo Nordisk, a Roche e a Sanofi responderam dizendo que cumprem todas as normas fiscais. A Sanofi argumentou que sua presença em jurisdições com baixos impostos era justificada pelas necessidades dos pacientes locais. A Bayer indicou que, como empresa alemã, é tributada sobre seus lucros offshore e acrescentou que alguns dos países mencionados neste artigo não deveriam ser considerados paraísos fiscais.

Na Irlanda, a BMS iniciou negociações com as autoridades de saúde com um preço inicial de €1.311 para uma dose de 100 miligramas de Opdivo. Estimativas de acadêmicos (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8868023/) indicam que anticorpos semelhantes podem ser fabricados por menos de €20. O Opdivo começou a ser reembolsado na Irlanda em fevereiro de 2021. O preço final combinado entre o governo e a empresa farmacêutica é um segredo.

Ironicamente, a BMS fabrica o Opdivo em Dublin, em uma instalação perto da casa de Miriam Staunton. Embora o tratamento não fosse acessível a alguns pacientes irlandeses devido ao seu custo, o fornecedor estava obtendo lucros significativos graças às atraentes normas fiscais da Irlanda.

O moderno campus da BMS na capital irlandesa pertence a uma subsidiária que teve um faturamento de US$17,2 bilhões em 2022 (cerca de €16 bilhões nas taxas de câmbio atuais), mais de um terço do faturamento mundial do fabricante no ano. Porém, apesar de estar registrada na Irlanda, a Swords Laboratories é uma entidade suíça em termos fiscais.

Sua controladora direta, a Bristol-Myers Squibb Holdings Ireland, desfruta de uma residência dupla parecida e possui patentes de várias terapias da BMS. Em 2022, a holding avaliou os ativos em mais de US$ 1 bilhão (€932 milhões) e embolsou US$4,5 bilhões em royalties ligados a fármacos produzidos pela Swords Laboratories, como o Eliquis, um anticoagulante de grande sucesso. Ademais, a holding recebeu quase US$9 bilhões (cerca de €8,4 bilhões) em dividendos da fábrica de Dublin em somente dois anos.

O acordo se parece com uma brecha fiscal infame que a Irlanda se comprometeu a fechar. Conhecida como “duplo irlandês”, que tem sido uma ferramenta comum para grupos de tecnologia e farmacêuticos reduzirem sua conta fiscal efetiva abaixo da atual alíquota de 12,5% do imposto corporativo irlandês. O esquema envolve a criação de duas empresas na Irlanda: uma com fins operacionais e residência fiscal na Irlanda, e a outra que detém as patentes e os direitos de propriedade intelectual e está sediada em um paraíso fiscal, como as ilhas Bermudas. A primeira paga royalties para a segunda, transferindo, assim, praticamente todo os seu lucro para o paraíso fiscal.

“A Irlanda introduziu mudanças em suas normas de residência fiscal corporativa na Lei de Finanças de 2014 que foram especificamente projetadas para evitar tais estruturas, como a chamada “dupla irlandesa””, afirmou um representante do Departamento de Finanças à Investigate Europe. “Essas normas garantem que não seja possível para as empresas explorarem incompatibilidades nas normas de residência fiscal”, acrescentou.

Porém, James Stewart, Professor Associado de Finanças do Trinity College Dublin, argumenta que essas estruturas tributárias podem continuar a existir porque a Irlanda tem um tratado de dupla taxação com a Suíça. “Essas empresas têm ativos e fluxos de caixa muito grandes, geralmente não têm funcionários e são muito rentáveis. É provável que elas sejam uma fonte de extração de lucros”, diz ele.

O principal acionista direto da BMS Holdings Ireland é justamente uma empresa irlandesa com residência fiscal na Suíça. As duas holdings e a Swords Laboratories não apenas canalizam os lucros fora da Irlanda, mas também guardam lá. Até o final de 2022, o trio corporativo havia acumulado mais de US$30 bilhões em ativos (quase €28 bilhões).

Guardar propriedade intelectual em paraísos fiscais é uma prática comum na BMS. Suas patentes Opdivo e Yervoy são mantidas em Delaware, um estado dos EUA que não taxa direitos autorais. Os dois fármacos representavam um quarto da receita de US$45 bilhões do grupo em 2023 (quase €42 bilhões). Naquele ano, a BMS registrou 135 filiais em paraísos fiscais: 81 em Delaware, 15 na Suíça, 13 na Irlanda e 12 nos Países Baixos.

Essas estruturas ajudaram a empresa a atingir uma taxa efetiva de imposto corporativo de 4,7%, bem abaixo da taxa legal estadunidense de 21%. Parte disso se deveu a uma decisão fiscal favorável, mas a maior redução resultou de diferentes tratamentos fiscais na Irlanda, Suíça e Puerto Rico, de acordo com o relatório anual da BMS.

A empresa não respondeu a pedidos de comentários dos jornalistas.

A BMS não é um caso único. A Investigate Europe analisou as contas registradas pelos 15 maiores grupos farmacêuticos estadunidenses e europeus nos últimos cinco anos. Juntos, eles relataram 1.306 filiais em paraísos fiscais. É provável que o número real seja maior, uma vez que as normas de relatório só obrigam as multinacionais a listarem as empresas que consideram “significativas”.

Delaware está em primeiro lugar, com 700 entidades, na frente dos Países Baixos, onde existem cerca de 170, seguido pela Suíça e Irlanda, com quase 120 cada uma.

(O artigo original, que pode ser acessado pelo link no título, inclui um gráfico que mostra o número de filiais que as empresas farmacêuticas têm em paraísos fiscais ou territórios de baixa tributação).

Nove dos dez (https://www.ipha.ie/about-us/contribution-to-the-irish-economy/) maiores grupos farmacêuticos do mundo operam na Irlanda e o maior “provavelmente é a Pfizer”, suspeita o professor Stewart. “Digo provavelmente porque não foi publicada a contabilidade de nenhuma subsidiária irlandesa. Quase todas as subsidiárias irlandesas da Pfizer operam como filiais de uma entidade holandesa”.

Nos Países Baixos, a Pfizer registrou três quartos de seu faturamento mundial de US$100 bilhões (cerca de €93 bilhões) com uma holding holandesa que dirige uma infinidade de filiais. A CPPI CV, uma sociedade limitada, é “fiscalmente transparente”, o que significa que seus acionistas podem obter lucros sem pagar impostos. Em 2022 e 2023, a CPPI CV enviou US$35 bilhões para suas matrizes em Delaware. A Follow the Money, uma mídia de investigação, publicou vários artigos sobre os assuntos holandeses da Pfizer e descreveu como a empresa se tornou a empresa mais rentável dos Países Baixos. A Pfizer também não respondeu aos pedidos de comentários.

“Historicamente, as empresas estadunidenses têm acumulado dinheiro em jurisdições com baixa tributação para evitar os impostos que normalmente pagariam se repatriassem os lucros para nos Estados Unidos”, explica Reuven Avi-Yonah, professor de direito da Universidade de Michigan. “Em 2018, uma reforma nos EUA tentou mudar isso com um imposto de 10,5% sobre o faturamento estrangeiro, mas na verdade incentivou as grandes empresas farmacêuticas a manterem ainda mais lucros no exterior, pois estariam sujeitas a essa taxa atraente em vez da taxa legal dos EUA de 21%”, explica ele.

“Todas que tem faturamento querem limitar a exposição fiscal desse faturamento, e as empresas não são exceção”, diz Paul Fehlner, ex-diretor de propriedade intelectual da Novartis, uma gigante farmacêutica suíça. “Portanto, se você colocar a propriedade dos direitos de patentes em uma jurisdição de baixa tributação e, em seguida, transferir os fundos internamente para uma entidade mantenedora de patentes, você reduz a carga tributária global”, indica.

As patentes são registradas por empresas ou inventores de novos produtos para evitar a concorrência. Os titulares das patentes recebem direitos exclusivos para fabricar e comercializar o medicamento por um determinado período, geralmente 20 anos.

Os genéricos costumam ser até 85% mais baratos depois de lançados no mercado, mas, enquanto durarem seus monopólios, as farmacêuticas podem impor preços altos aos governos e às seguradoras. Para justificar, os executivos farmacêuticos sempre citam os caros custos de P&D.

Entretanto, os dados compilados pela Investigate Europe mostram que a indústria, analizada coletivamente, obtém mais lucro líquido com as vendas dos medicamentos existentes do que investe no desenvolvimento de novos medicamentos.

Nos cinco anos analisados, as 15 multinacionais ganharam €580 bilhões após os impostos, mas gastaram €572 bilhões em P&D. A maior parte dos lucros se destinou ao retorno dos acionistas na forma de dividendos e recompra de ações, num total de €558 bilhões.

Como resultado, os seguintes grupos gastaram mais em recompensar os investidores do que em P&D: a Abbvie, a Johnson & Johnson, a Novartis, a BMS, a Pfizer, a Novo Nordisk e a Amgen. Em outras empresas, como a AstraZeneca, a Merck e a Bayer, o valor gasto em P&D foi maior do que o montante dos lucros.

As fortunas acumuladas pelas grandes farmacêuticas coexistem com a desigualdade no acesso aos fármacos. Por mais que a Irlanda atraia as empresas farmacêuticas com suas vantagens fiscais, os pacientes irlandeses frequentemente têm que esperar mais do que seus colegas da Europa ocidental por medicamentos inovadores.

“As empresas farmacêuticas deixam claro que os maiores mercados são mais importantes para elas e não querem nos dar um desconto por sermos pequenos”, diz um ex-funcionário irlandês da área de saúde, falando em condição de anonimato. “Muitas empresas demoram inclusive para solicitar a autorização de comercialização na Irlanda. Algumas delas já me disseram literalmente que a Irlanda é tão insignificante que seus chefes não se importam se seus medicamentos estão aqui ou não.

A Associação Irlandesa de Assistência Farmacêutica à Saúde (Irish Pharmaceutical Healthcare Association, IPHA), um grupo de lobbying da indústria, calcula que leva mais de dois anos, em média, entre o início da avaliação de um novo medicamento pelo órgão irlandês e sua aprovação para reembolso.

Também nos Países Baixos, um país fiscalmente vantajoso para as empresas, o quadro é o mesmo. Os auditores do estado sugeriram que o Governo negocie descontos mais altos para proteger seu orçamento, destacando que nem todas as terapias aprovadas são rentáveis.

Os tribunais holandeses estão prestes a se tornar um novo campo de batalha. Em 2023, a Fundação de Responsabilidade Farmacêutica (Pharmaceutical Accountability Foundation, PAF), um grupo de interesse público, apresentou uma ação judicial contra a empresa norte-americana Abbvie por abuso de posição dominante. A PAF alega que a empresa obteve lucros excessivos de €1,2 bilhão ao longo de 14 anos com as vendas na holanda do Humira, o medicamento que mais gerou faturamento nas últimas duas décadas e que é usado para tratar uma série de doenças, desde artrite e psoríase até a doença de Crohn.

“Esperamos que a sentença sirva de aviso para as empresas farmacêuticas: elas podem pedir o preço que quiserem, mas se exagerarem, podem sofrer um golpe e ter que pagar”, diz Wilbert Bannenberg, presidente da PAF.

“Descartamos as acusações infundadas da PAF, que, conforme declarado ao tribunal, questionam o sistema de preços de todos os medicamentos, o que pode prejudicar futuras inovações”, respondeu um representante da AbbVie.

Antes de surgirem as críticas nos Países Baixos, a empresa já estava sob intenso escrutínio em seu país de origem. Em 2022, um comitê do Senado dos EUA descobriu que a Abbvie estava se desviando de bilhões de dólares em impostos ao manter sua propriedade intelectual nas Bermudas e fabricar seus produtos na Irlanda e em Puerto Rico.

Naquele mesmo ano, a I-Mak revelou que o grupo registrou 94% de suas 166 patentes estadunidenses do Humira quando o medicamento já estava no mercado. O esquema atrasou o surgimento de genéricos (https://vermontbiz.com/news/2023/july/27/welch-calls-out-big-pharmas-patent-abuse-during-senate-hearing) mais baratos.

“Eles tinham todas essas patentes que cobriam todas essas variações, dosagens diferentes, inclusive tamanhos diferentes de agulhas nas canetas que administram o medicamento”, diz Tahir Amin, CEO da I-Mak. “Tudo isso somado para bloquear a concorrência, porque quando você vai à justiça, paga milhões de dólares para eliminar uma única patente”, diz ele. Essa prática, conhecida como “evergreening” (https://biopolitica.net/2018/03/09/evergreen-o-como-obtener-beneficios-abusando-del-sistema-de-patentes/), é criticada pela I-Mak como um defeito no sistema de patentes que permite que as empresas prolonguem monopólios lucrativos.

Paul Fehlner, o antes diretor executivo da Novartis que agora trabalha como CEO de uma empresa de biotecnologia que reaproveita medicamentos existentes, destaca que cabe aos governos impor condições que reduzam os preços e apoiem a concorrência na hora de assinar contratos com grupos farmacêuticos: “As próprias empresas deveriam fazer certas coisas? Não sei, elas são organizadas para maximizar seus lucros, então não acho que isso as torne responsáveis. O leão é responsável por comer a zebra? Não”

creado el 15 de Enero de 2025