Foi constatado que Margaret Hamburg, que atuou como comissária da FDA entre 2009 e 2015, investiu em empresas farmacêuticas que eram de sua responsabilidade regulamentar.
Uma nova investigação, publicada no British Medical Journal (BMJ), investiga os conflitos de interesse dentro da Food and Drug Administration (FDA) devido a fortes laços entre a sua dirigente e a indústria farmacêutica, cujo ela era responsável por regulamentar.
Embora novos comissários da FDA sejam obrigados por lei a renunciar seus investimentos em empresas farmacêuticas, a maioria deles (9 entre os últimos 10) continuam a trabalhar na indústria após seu mandato na FDA. A investigação do BMJ, chefiada pelo editor sênior Peter Doshi, também relata como práticas de investimento duvidosas permitiram que pelo menos um dirigente da FDA mantivesse seus investimentos em empresas farmacêuticas durante seu mandato.
“As portas giratórias entre a FDA e a indústria surpreende a poucos, apesar do potencial amplamente reconhecido que isso tem em abalar a confiança pública no governo… Mas a história de Margaret Hamburg… é menos conhecida”, relata Doshi.
“Assim como seus colegas, Hamburg manteve relações com empresas regulamentadas pela FDA antes e depois de seu tempo no comando da FDA. Porém, ao contrário de seus colegas, Hamburg tinha permissão para deter interesses financeiros em um fundo de cobertura exclusivo administrado pela empresa de seu marido. Segundo uma análise realizada pelo BMJ, o fundo de cobertura investiu regularmente em empresas farmacêuticas regulamentadas pela FDA durante o período em que Hamburg esteve na FDA.”
Robert Califf, atual comissário da FDA, está cumprindo seu segundo mandato no cargo. Antes de ser nomeado comissário pelo presidente Obama em 2016 e novamente pelo presidente Biden em 2022, Califf foi obrigado perante a lei a romper seus vários vínculos com empresas farmacêuticas. Como exemplo de um de seus vínculos, este relatório destaca o cargo de Califf como consultor sênior da Verily Life Sciences. Essa nomeação lhe rendeu $2,7 milhões entre suas duas passagens como comissário da FDA. Quando foi questionado sobre seus vínculos com a indústria durante sua mais recente nomeação, Califf apontou o compromisso ético do governo Biden como contrapeso a conflitos de interesse.
Embora promessas de prática ética possam evitar alguns conflitos de interesse em tese, na prática, elas podem deixar de impedir que ex-comissários da FDA se enriqueçam a partir da indústria que deveriam regulamentar. Como exemplo da ineficácia de tais promessas, Doshi destaca Scott Gottlieb. Gottlieb atuou como comissário da FDA durante o governo Trump sob um compromisso ético parecido que incluía a proibição de atividades de lobby por cinco anos após deixar um cargo como comissário da FDA. Além de ter sido revogado depois que Trump deixou a presidência, o compromisso não barrava um ex-comissário da FDA de procurar emprego na indústria farmacêutica. Gottlieb foi nomeado para a diretoria da Pfizer três meses depois de deixar a FDA.
Embora o nexo entre a FDA e a diretoria da indústria e seu consequente impacto negativo na confiança pública tenham mais desconhecidas que permitiram que ao menos uma comissária da FDA investisse em empresas farmacêuticas, mesmo quando se encontrava encarregada de regulamentá-las.
Margaret Hamburg atuou como comissária da FDA durante o governo Obama entre 2009 a 2015. Seu marido, Peter Brown, era funcionário sênior do fundo de cobertura Renaissance Technologies. Durante seu mandato como comissária da FDA, Hamburg e Brown foram autorizados a manter seus investimentos no Medallion Fund, um meio de investimento da Renaissance Technologies aberto apenas a funcionários da empresa e associados próximos. O Medallion Fund obteve um retorno médio de 39% ao ano para seus investidores ao longo de 30 anos, o que o torna um dos investimentos mais bem-sucedidos da área. Durante o mandato de Hamburg como comissária da FDA, o Medallion Fund investiu significativamente (mais de $1 bilhão em participações) entre várias empresas farmacêuticas que ela supostamente regulamentava, incluindo AstraZeneca, Amgen, Johnson and Johnson e GlaxoSmithKline, entre outras.
Mesmo que novos comissários da FDA sejam obrigados por lei a encerrarem investimentos na indústria farmacêutica, o Escritório de Ética Governamental(Office of Government Ethics, OGE) permitiu que Hamburg mantivesse seus investimentos no Medallion Fund. A FDA e o OGE se recusaram a justificar por que isso foi permitido. De acordo com a atual investigação, a única explicação provém de um funcionário anônimo do governo que entrou em contato com o Wall Street Journal em 2009. De acordo com o funcionário, Hamburg foi autorizada a manter seus investimentos no Medallion Fund porque o fundo se utiliza de negociações automatizadas baseadas num algoritmo que “não permite o rastreamento ou a entrada de informações humanas, exceto em raras ocasiões… o que significa que nem a Dra. Hamburg nem seu marido estariam numa posição de orientar sua conta Medallion para empresas ou áreas sob regulamentação pela FDA”.
No entanto, durante uma investigação do Senado em 2014 sobre o abuso de produtos financeiros estruturados, Brown testemunhou que o algoritmo do Medallion Fund era corrigido por programadores humanos até uma ou duas vezes por semana, em média. Isso permitiria que o fundo “conduzisse negociações para direções específicas a fim de reduzir ou aumentar o tamanho de sua carteira”. Isso significa que a alegação de que Hamburg e Brown não podiam orientar sua conta Medallion para empresas sob regulamentação pela FDA era falsa. Durante todo o mandato de Hamburg como comissária da FDA, ela esteve numa posição de se beneficiar financeiramente de decisões regulatórias tomadas pela FDA, o que gera um claro conflito de interesses.
Só entre 2009 e 2010, o Medallion Fund lucrou a Hamburg e Brown mais de $3 milhões. Além disso, entre 2008 e 2010, Brown recebeu mais de $1 milhão por ano em pagamentos da Renaissance Technologies. O valor exato pago a Brown é desconhecido, pois a documentação de divulgação da FDA não exige que os cônjuges de comissários informem valores mais específicos do que “mais de $1.000.000”.
Brown não respondeu a um pedido para ser entrevistado para este relatório e se recusou a explicar as discrepâncias entre suas afirmações públicas de que o algoritmo do Medallion não era alterado por humanos com frequência e seu testemunho no Senado de que era, na realidade, alterado pelo menos semanalmente. Hamburg também se recusou a dar entrevista, mas comunicou por meio de um procurador que as promessas de ética, muito parecidas com as que permitiram que Gottlieb aceitasse um cargo no conselho da Pfizer três meses depois de deixar a FDA evitaram conflitos de interesse durante seu mandato.
A investigação da Renaissance Technologies pelo Senado em 2014 concluiu que o fundo não pagou mais de $6 bilhões em impostos. Em 2021, chegou-se a um acordo com o governo e concordaram em pagar cerca de $ 7 bilhões. Investidores atuais e antigos do fundo foram responsáveis pelos impostos pendentes, com aqueles que atuaram no conselho entre 2005 e 2015, que inclui Peter Brown, devendo a maior parte. Brown e Hamburg se recusaram a informar ao BMJ o valor que tiveram que pagar segundo o acordo.
Pesquisas indicam que a FDA aprovou medicamentos com base em duvidosas provas de sua eficácia. Em 2023, a FDA aprovou o medicamento Lexapro para uso em crianças a partir de sete anos, apesar de um aumento no risco de suicídio e na ausência de garndes benefícios. Recentemente, a FDA também aprovou o antipsicótico brexpiprazole para uso em pacientes com Alzheimer, apesar de pesquisas não demonstrarem algum benefício clínico, além de nenhuma melhora na qualidade de vida e um maior risco de morte. Em dezembro de 2022, uma investigação do congresso descobriu que a FDA agiu de forma irresponsável ao aprovar o medicamento da Biogen para Alzheimer, aducanumab, apesar do conselho da FDA ter votado unanimemente contra sua aprovação. A FDA reagiu aprovando um segundo medicamento da Biogen para Alzheimer apenas alguns dias depois, sem ter realizado nenhuma votação no conselho. A supervisão de dispositivos médicos pela FDA também expôs pacientes a perigo. Quando denunciantes se manifestaram para protestar contra as práticas corruptas da indústria, a FDA se uniu à indústria e utilizou táticas de máfia para silenciá-los.
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