E-mails internos revelam que a FDA informa aos funcionários que saem para trabalhar na indústria que, apesar das restrições sobre lobbying pós-emprego, eles ainda podem influenciar as decisões da agência. A seguir, resumimos um artigo sobre esse tópico publicado no BMJ [1].
Durante seus últimos três anos na FDA, Doran Fink estava revisando as vacinas contra a covid-19. Porém, após uma década na agência, Fink aceitou um cargo na Moderna e começou a cumprir os requisitos de saída obrigatória da FDA. Ao se mudar para o setor privado, o pessoal do programa de ética da FDA enviou para ele um e-mail explicando as restrições pós-emprego, “adaptadas à sua situação”. Essas normas federais deixam clara a possibilidade legal de esses funcionários influenciarem a agência “nos bastidores” e ressaltam uma falha crítica na política de conflito de interesses dos EUA.
Diana Zuckerman, presidente do Centro Nacional de Pesquisa em Saúde e analista de políticas regulatórias, ficou surpresa ao saber das recomendações da FDA. ” Supus que existiriam restrições significativas sobre o que os funcionários podem fazer por pelo menos um ano após deixarem seus empregos no governo federal”, disse ela. Zuckerman argumenta que a capacidade de oferecer consultoria às indústrias regulamentadas nos bastidores é precisamente “o que valoriza os cientistas e o pessoal da FDA”.
As orientações, enviadas ao Fink, parecem ser as recomendações padrão que o pessoal de adesão à ética envia aos funcionários que deixam de trabalhar na agência. Desde junho de 2017, essas recomendações também estão disponíveis em uma página da Web da FDA que detalha as restrições após o emprego.
Peter Lurie, presidente do Centro para a Ciência no Interesse Público em Washington, DC, e ex-comissário associado da FDA, acredita que o pessoal de ética da FDA está agindo corretamente ao fornecer orientações sobre as atividades que os funcionários podem realizar após deixarem a agência, pois estão simplesmente cumprindo seu papel. Porém, Lurie expressa preocupação com os riscos associados à permissão do trabalho nos bastidores. Ele ressalta que a possibilidade de um ex-funcionário se envolver em atividades de bastidores parece ser contra o interesse público, especialmente em questões específicas nas quais ele trabalhou enquanto estava na agência. Na prática, essa política poderia favorecer os interesses das grandes empresas farmacêuticas, já que muitos ex-funcionários da FDA acabam indo trabalhar para essas empresas.
O BMJ perguntou à FDA se o fato de informar proativamente os funcionários sobre sua capacidade de trabalhar nos bastidores poderia ser interpretado como um incentivo para que eles exercessem pressão indireta sobre a agência [1]. A FDA respondeu que não considera que esse seja o caso, enfatizando que trabalhar nos bastidores não equivale necessariamente a fazer lobbying. Além disso, a agência indicou que as atividades de lobbying são regulamentadas pela Lei de Divulgação de Lobbying (Lobbying Disclosure Act) e que os ex-funcionários devem cumprir essas exigências, assim como qualquer outra pessoa ou organização.
No mês passado, legisladores estadunidenses apresentaram projetos de lei intitulados Lei de Reparação da Influência Corrupta Não Ética das Administrações ou “Lei FAUCI”, que visam modificar as restrições a funcionários que deixam o serviço público. Essas propostas, apresentadas simultaneamente no Senado e na Câmara dos Deputados, buscam proibir que ex “altos funcionários” da FDA, dos Institutos Nacionais de Saúde e dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) formem parte de conselhos de administração de empresas que fabricam medicamentos, produtos biológicos ou dispositivos médicos por oito anos após deixarem o serviço público.
É frequente que altos funcionários de órgãos reguladores de saúde entrem para a indústria após deixarem o cargo. Um estudo recente constatou que 32% dos 78 nomeados presidenciais no Departamento de Saúde e Serviços Humanos entre 2004 e 2020, que inclui a FDA e outras agências importantes, acabaram trabalhando na indústria no final de seu mandato. Desde 2000, todos os comissários da FDA seguiram esse caminho. Porém, sabe-se menos sobre as carreiras do pessoal não administrativo da FDA, embora se tenha concluído que a maioria dos ex-revisores também aceita cargos na indústria.
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