Celilia Pachano escreveu um artigo sobre alguns aspectos da conduta da indústria farmacêutica na Europa, que se baseia em um estudo de oito meses realizado pela Investigate Europe [1]. O artigo começa com duas afirmações fortes: (1) para a indústria farmacêutica, existem cidadãos de primeira, segunda e terceira classe na União Europeia; (2) as negociações sombrias com a indústria, carregadas de segredos e de métodos extorsivos, acabam beneficiando os países mais ricos da UE e prejudicando os pacientes dos países mais pobres. A seguir, um resumo.
Antecedentes
A história da indústria farmacêutica é marcada por episódios que prejudicaram a confiança pública nela. Desde o desastre da sulfanilamida, em 1937, até o escândalo da talidomida, nos anos 50 e 60, quando milhares de bebês nasceram com malformações congênitas, sem esquecer os ensaios clínicos ilegais da Pfizer na Nigéria, que revelaram a falta de ética na pesquisa com seres humanos.
Ela também enfrentou alegações de corrupção e de suborno. Tais como as expostas nos relatórios da Transparency International, que mostram como a ganância pode prevalecer sobre a saúde pública. Soma-se a isso a promoção de medicamentos custosos, muitas vezes sem melhorias significativas em relação a alternativas mais econômicas.
A rentabilidade em primeiro lugar
Na União Europeia, a distribuição de medicamentos nem sempre é determinada pela necessidade médica, mas, de acordo com a Investigate Europe, pela rentabilidade do mercado. Isso cria um acesso desigual a tratamentos vitais na Europa. Clemens Auer, ex-diretor do Ministério da Saúde da Áustria, denuncia essa realidade como um “escândalo”. «Temos cidadãos europeus de primeira, segunda e terceira classe quando falamos de acesso.
Muitos funcionários descrevem o sistema de tabelamento de preços de medicamentos como “absurdo”. Os governos são obrigados a negociar às cegas, sem saber quanto pagam os países vizinhos.
A pesquisa também revela uma disparidade preocupante no preço que os países ricos e os países da Europa Central e Oriental pagam por certos medicamentos. O preço de tabela de um medicamento, facilmente acessível online ou na embalagem, geralmente é uma ilusão. Os preços inflacionados servem para que a indústria estabeleça altas margens de lucro. Muitos países baseiam seus preços no que outros declaram. É um sistema de preços paralelo, escondido do escrutínio público.
No complexo cenário de saúde europeu, a Agência Europeia de Medicamentos desempenha um papel fundamental na aprovação de medicamentos para uso em todo o continente. Porém, a decisão de comercializar um medicamento em um país específico é das empresas farmacêuticas. É aí que começa um jogo de sombras. Cada país estabelece seu preço oficial. Mas é em negociações individuais e secretas que os descontos reais são acertados.
Negociações sigilosas que resultaram no que é conhecido como “empréstimos sem juros”. As empresas farmacêuticas recebem pagamentos adiantados com base em preços oficiais inflacionados. Tudo isso para pagar discretamente a diferença mais tarde. Em 2023, na Bélgica, os reembolsos alcançaram €1,5 bilhão. Um valor que dispara em mercados maiores.
O secretismo dá para a Indústria um poder enorme de dividir e conquistar. Os países, em sua tentativa de conter os custos, acabam fazendo acordos no escuro.
Tratamentos impagáveis
A Investigate Europe descobriu uma disparidade alarmante no que os países europeus pagam pelos tratamentos contra a fibrose cística. A Vertex Pharmaceuticals foi acusada de cobrar mais de €200.000 por paciente ao ano, pelo Kaftrio/Kalydeco. Esse valor é supera em mais de 40 vezes o custo estimado de produção.
Apesar dos elogios por sua eficácia, a Vertex, com vendas que se aproximam de US$10 bilhões em 2023, parece cobrar mais dos países com menos recursos do que de alguns vizinhos mais ricos. Por exemplo, na Europa Ocidental, o custo médio, excluindo o IVA, por paciente foi de aproximadamente €71.000 na França, €81.000 na Itália, €87.000 na Espanha e €88.000 nos Países Baixos.
Em contraste, os países da Europa Central e Oriental têm preços muito mais altos. Na República Tcheca, em 2022, o custo anual estimado foi de €140.000. A Lituânia, após anos de negociações, expressou sua disposição para pagar até € 8,4 milhões para tratar até 48 pacientes com Kaftrio/Kalydeco, o que pode significar €175.000 por paciente.
Fonte Original