O pesquisador mais prolífico da Espanha, o especialista em carnes José Manuel Lorenzo, assinou 176 artigos no ano passado, expondo um submundo de práticas científicas obscuras
O especialista em carnes José Manuel Lorenzo, 46 anos, é o pesquisador que mais publica estudos científicos na Espanha: assinou 176 artigos no ano passado, de acordo com uma contagem solicitada pelo EL PAÍS a John Ioannidis, especialista em estatística biomédica da Universidade de Stanford (Estados Unidos). Lorenzo publica um estudo a cada dois dias, se incluirmos os finais de semana. É um número implausível, muito além do segundo colocado, o ecologista Josep Peñuelas, 65 anos, com 112 estudos por ano, e a uma distância sideral da grande maioria dos colegas de sua área, que costumam publicar no máximo uma dúzia de artigos por ano. A Universidade de Vigo, onde Lorenzo é professor associado, chegou a proclamá-lo como “o maior especialista em carne do mundo”, mas um pesquisador francês que costuma participar de congressos internacionais da área explicou a este jornal que nunca tinha ouvido o nome do espanhol. O caso de Lorenzo mostra o lado mais sombrio da ciência.
Os pesquisadores estão sob uma pressão brutal para publicar estudos. Seus aumentos salariais, promoções, financiamento de projetos e reconhecimento social dependem de avaliações em que seu desempenho é medido quase que por peso. Esse sistema, conhecido como “publicar ou perecer”, criou monstros. Milhares de cientistas em todo o mundo publicam pelo menos um estudo a cada cinco dias, de acordo com os cálculos de Ioannidis. Eles são os chamados “hiperprolíficos”, com uma taxa de produção impressionante e, às vezes, absolutamente suspeita.
José Manuel Lorenzo é o chefe de pesquisa do Centro Tecnológico da Carne, uma entidade dedicada a produtos de carne, dependente da Xunta de Galicia, em San Cibrao das Viñas (Ourense). Uma pessoa que trabalhou com ele lembra que, por volta de 2018, seu laboratório se tornou “uma fábrica de salsichas”. Lorenzo deixou de publicar menos de 20 estudos por ano para assinar mais de 120. “Ele nem sequer tem tempo para lê-los”, diz outra pessoa com quem compartilhou projetos. Um dia, ele começou a colaborar com pesquisadores exóticos, que ninguém conhecia, em assuntos que não tinham nada a ver com carne. Há quatro meses, ele publicou um estudo sobre o manejo hospitalar da varíola do macaco, com coautores iraquianos, indianos e paquistaneses. Há um ano, ele foi coautor de um artigo com pesquisadores da Índia e da Arábia Saudita sobre o tratamento de doenças gengivais com veneno de abelha. Lorenzo admite, em conversa telefônica com este jornal, que não conhece nenhum desses coautores pessoalmente, nem é especialista nesses assuntos.
A Índia é um dos países que concentra as chamadas paper mills, verdadeiras fábricas de estudos científicos já escritos e prontos para serem publicados em revistas especializadas, cuja coautoria é oferecida em troca de dinheiro. O EL PAÍS perguntou os preços a uma das empresas indianas que enviam suas ofertas aos cientistas espanhóis: a iTrilon, com sede em Chennai. O diretor científico da empresa, Sarath Ranganathan, oferece a possibilidade de assinar como primeiro autor de um estudo já escrito, intitulado “Neuroterapias de nova geração contra o Alzheimer”, em troca de cerca de 450 euros. Também é possível ser o quinto coautor do artigo “Emergência de infecções microbianas raras na Índia”, por 400 euros. A iTrilon promete publicar esses estudos pré-elaborados nos periódicos das principais editoras científicas do mundo: Elsevier, Taylor & Francis, Springer Nature, Science e Wiley. A indústria editorial reconheceu no ano passado que cada periódico recebe um mínimo de 2% de estudos suspeitos, com picos de até 46%.
Lorenzo nega veementemente ter recorrido a essas fábricas de estudos, mas está ciente da existência de um mercado de compra e venda de autoria. “Recebi vários e-mails de alguém que se ofereceu para me pagar 1.000 ou 2.000 euros para ser listado como coautor, mas nem sequer respondi”, diz ele. Lorenzo diz que cientistas da Índia, Paquistão, Iraque e outros países frequentemente o convidam para colaborar, sem se conhecerem. De acordo com seu relato, o bioquímico de plantas Manoj Kumar, do Bombay Institute of Cotton Technology, ofereceu-lhe a participação nesse estudo sobre o tratamento de doenças da gengiva, e ele, um especialista em carne, aceitou. Lorenzo diz que simplesmente verificou o inglês, propôs alguns gráficos e assinou como coautor.
“Recebo muitos e-mails todos os dias e, se tiver tempo e gostar do assunto, digo sim”, explica ele. “Confio nas pessoas. Se elas estão me enganando, eu não sei. Não é ético usar o nome de uma pessoa para publicar um estudo ou cobrar por coautoria. Sou contra todas essas práticas. E, até onde eu sei, nunca fui usado para isso”, diz ele.
As universidades espanholas se tornaram macrofazendas de galinhas poedeiras de estudos, diz Emilio Delgado, professor da Universidade de Granada
As revistas científicas têm um incentivo perverso para publicar estudos de qualidade duvidosa. No passado, eram os leitores que pagavam para ler os artigos, que ficavam inacessíveis sem uma assinatura, mas nos últimos anos foi imposto outro modelo, no qual são os próprios autores que pagam até 6.000 euros a editoras privadas para que seus estudos sejam publicados com acesso aberto a qualquer leitor.
A mudança de modelo causou um terremoto na ciência. Em 2015, havia apenas uma dúzia de revistas biomédicas que publicavam mais de 2.000 estudos por ano cada uma, representando entre elas 6% da produção total. Agora existem 55 dessas chamadas “mega-jornais” e, juntas, elas publicam quase um quarto de toda a literatura especializada, de acordo com uma pesquisa recente de John Ioannidis.
Metade dos principais mega-jornais são da mesma editora: a MDPI, uma gigante corporativa fundada na Basileia (Suíça) pelo químico chinês Shu-Kun Lin, que já controla 427 periódicos. Sua marca International Journal of Environmental Research and Public Health publica quase 17.000 estudos por ano, uma quantidade que torna difícil garantir a qualidade. A revista cobra dos autores mais de 2.500 euros pelos custos de publicação de cada artigo. Há cinco anos, mais de uma dúzia de editores de outra desses mega-jornais (Nutrients) se demitiu, alegando que a MDPI os pressionou a aceitar estudos de baixa qualidade para aumentar a receita. O trabalho do especialista em carnes José Manuel Lorenzo sobre doenças da gengiva foi publicado na revista Antioxidants da MDPI.
A editora de Shu-Kun Lin tornou-se rapidamente um império. As revistas da MDPI oferecem uma maneira fácil de publicar estudos, graças a seus requisitos menos rigorosos. Um cientista pode enviar um artigo e vê-lo publicado em apenas um mês após uma revisão superficial, em vez dos seis meses habituais em outras editoras. Emilio Delgado, professor de Metodologia de Pesquisa da Universidade de Granada, faz um diagnóstico devastador. “As revistas da MDPI fagocitaram o sistema”, diz ele. Delgado lembra que no mundo acadêmico já se fala em “professores MDPI” para se referir aos professores que foram promovidos graças a um currículo baseado nesse tipo de trabalho, que muitas vezes é insubstancial. “As universidades espanholas se tornaram macrofazendas de galinhas poedeiras”, diz o professor de Granada.
Delgado e seu colega Alberto Martín analisaram essa mudança no comportamento dos cientistas espanhóis. Seus dados mostram que, em 2015, apenas 0,9% da produção espanhola foi publicada em periódicos MDPI, em comparação com 0,6% em todo o mundo. Seis anos depois, a porcentagem na Espanha aumentou para quase 15% e o dobro da proporção no resto do mundo. Algumas universidades concentram a publicação de seus estudos em periódicos da MDPI, como a Católica de Ávila (71%), Alfonso X el Sabio (42%), Extremadura (30%) e Católica de Murcia (27%). Na maior universidade presencial da Espanha, a Complutense de Madrid, a porcentagem é superior a 12%.
O terceiro cientista mais prolífico da Espanha é Jesús Simal, professor de nutrição da Universidade de Vigo, com 110 estudos publicados no ano passado, quase um a cada três dias. Simal é especialista em contaminantes químicos em alimentos, mas seu currículo também inclui estudos sobre diferentes tópicos com coautores exóticos. Há um ano, ele publicou um estudo sobre a ferramenta de edição de genes CRISPR contra o câncer, assinado com coautores de Bangladesh, Indonésia e Arábia Saudita. O professor, ex-vice-chanceler, admite que não conhece pessoalmente os outros signatários e atribui sua produção incomum à sua cooperação com “várias equipes de pesquisa internacionais”. Simal também colaborou ocasionalmente com José Manuel Lorenzo e juntos escreveram um livro sobre alimentação de peixes.
Em quarto lugar na lista dos cientistas mais prolíficos da Espanha está o psiquiatra japonês Ai Koyanagi, com um pico de 108 estudos por ano, sem contar os trabalhos menores. Koyanagi foi codiretora do grupo de Epidemiologia de Transtornos Mentais no Instituto de Pesquisa Sant Joan de Déu, na área metropolitana de Barcelona. Em 30 de abril, ela renunciou ao seu contrato, depois que o EL PAÍS revelou que a psiquiatra é um dos 19 cientistas da Espanha que declararam falsamente, em troca de dinheiro, que seu principal local de trabalho é uma universidade saudita, a fim de enganar as instituições árabes nos rankings acadêmicos internacionais. Um porta-voz da instituição pública catalã que pagou seu salário – a fundação ICREA – explica que Koyanagi procurará um emprego fora da Espanha.
Estamos perdendo milhões de euros de dinheiro público en pagar pela publicação de estudos que habitualmente não aportam nada
Ángel María Delgado, profesor de Documentación
Para avaliar o desempenho de um pesquisador e decidir sobre promoções ou aumentos salariais, as instituições consultam seus resultados em bancos de dados internacionais, como o Web of Science da multinacional Clarivate. A vice-presidente da Web of Science, a química Nandita Quaderi, anunciou em 20 de março que sua equipe detectou mais de 500 periódicos suspeitos, graças a um novo programa de inteligência artificial criado para limpar “registros acadêmicos cada vez mais poluídos”. A empresa já removeu mais de 80 publicações de seu banco de dados, entre elas 15 mega-jornais, incluindo o International Journal of Environmental Research and Public Health da MDPI. Essa é a revista em que a maioria dos cientistas espanhóis publicou nos últimos cinco anos, com mais de 5.400 estudos, de acordo com uma análise feita pelos professores de Documentação Rafael Repiso e Ángel María Delgado Vázquez.
“Estamos desperdiçando milhões de euros de dinheiro público pagando pela publicação de estudos que geralmente não contribuem em nada, apenas repetindo resultados que todos já conheciam”, lamenta Delgado Vázquez, da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. Sua análise revela que as 82 revistas agora expulsas publicaram quase 190.000 estudos nos últimos cinco anos. Cerca de 7.000, quase 4%, são assinados por autores espanhóis. As instituições espanholas gastaram mais de 12 milhões de euros para pagar os custos de publicação desses estudos polêmicos, de acordo com seus cálculos.
“Não devemos generalizar, mas todos nós conhecemos um professor em nossas universidades cujo currículo cresceu misteriosamente, em um período muito curto, e que está sendo promovido em um período de tempo excepcionalmente curto. Essa podridão está lá e quem não sente o cheiro é porque está segurando o nariz”, diz Delgado Vázquez. Cinco universidades públicas espanholas – Granada, Valência, Extremadura, Sevilha e Almeria – publicaram quase 1.900 estudos no polêmico International Journal of Environmental Research and Public Health em apenas cinco anos. “O que mais dá náusea, além do dinheiro público jogado fora, é a desigualdade que isso causa no sistema científico. Os atrevidos progridem em suas carreiras enquanto as pessoas legais ficam pelo caminho, isso é o que é realmente lamentável”, diz Delgado Vázquez.
O desempenho de um cientista também é medido pelo número de vezes que seu trabalho é citado por outros pesquisadores. Publicar um grande número de estudos e pertencer a uma rede internacional de colegas que fazem o mesmo e citam uns aos outros é uma maneira fácil de subir em alguns rankings internacionais. O Meat Technology Centre se gaba de que “quatro dos cinco maiores especialistas em produtos cárneos” do mundo são pesquisadores de sua organização, de acordo com dados do portal americano Expertscape, que classifica os estudos por peso. Nessa lista, José Manuel Lorenzo é o primeiro do planeta, seguido por seus colegas de laboratório Paulo Munekata, Mirian Pateiro e Rubén Domínguez. Os dois últimos também estão envolvidos no complô saudita para fraudar as classificações.
O quinto cientista mais prolífico da Espanha é Toni Frontera, professor de química da Universidade das Ilhas Baleares. Ele assina cem estudos por ano. “Eu trabalho oito horas e depois mais oito, porque meu hobby é publicar. Eu adoro isso. Trabalho basicamente todos os dias do ano: sábados, domingos, no Natal”, diz ele em uma conversa telefônica. Ele acaba de publicar um estudo sobre a estrutura de um complexo molecular com potencial farmacológico, juntamente com pesquisadores da Arábia Saudita, Paquistão, Nova Zelândia e Egito. Frontera admite que não conhece nenhum de seus coautores e diz que simplesmente fez simulações em computador com base em dados experimentais que lhe foram enviados. “Fui contatado por e-mail. Se houve alguma compra e venda de autoria ou se eles adicionaram autores [que não fizeram nada de fato], não posso saber, para ser honesto”, diz ele.
O sexto pesquisador mais prolífico é Rafael Luque, um químico expulso da Universidade de Córdoba há seis meses, com uma suspensão de 13 anos sem emprego e sem salário, por seu envolvimento na conspiração saudita. Luque assinou 98 estudos no ano passado, incluindo um artigo na Springer Nature sobre a degradação do ibuprofeno em águas residuais, assinado em conjunto com sete iranianos. O engenheiro britânico Nick Wise, da Universidade de Cambridge, afirmou que as coautorias desse estudo foram divulgadas alguns meses antes. Luque diz que nunca pagou para assinar o estudo de outra pessoa e acrescenta que não descarta que um de seus coautores iranianos tenha pago para ser listado.
A MDPI criou um novo modelo de negócios. Suas revistas convidam cientistas, mesmo os medíocres, para serem editores de várias edições especiais, tornando o pesquisador em questão seu agente comercial, sem pagamento. Esse editor convidado oferecerá a seus colegas a publicação de estudos nessa monografia, desde que eles paguem os 2.500 euros ou o que for necessário como custo de publicação. Em troca, o editor convidado poderá publicar um ou mais artigos gratuitamente nessa edição especial. Essas são “técnicas comerciais semelhantes a pirâmides”, nas palavras de Isidro Aguillo, do Instituto de Bens e Políticas Públicas do CSIC. Cada revista da MDPI publica centenas de edições especiais por ano, multiplicando o número de edições regulares. A MDPI aumenta seus lucros e os milhares de editores convidados aumentam seus currículos.
Delgado Vázquez e Repiso recomendam que as instituições considerem essas práticas como deméritos, em vez de méritos, como é o caso atualmente. “Um demérito é tentar vender que você foi publicado em uma revista internacional, quando a realidade é que você foi publicado em sua própria monografia (às vezes vários artigos), ou em uma monografia editada por seu parceiro, um coautor regular ou um colega de seu departamento. Isso não é mérito, é consanguinidade”, destacam em sua análise. José Manuel Lorenzo e seus três colegas do Meat Technology Centre foram editores convidados de monografias do MDPI.
A Arábia Saudita é o lar dos xeiques da máfia dos encontros – Domingo Docampo, ex-reitor da Universidade de Vigo
Muitos dos cientistas mais prolíficos acabam na prestigiosa lista de Highly Cited Scientists, compilada pela multinacional Clarivate com os 7.000 pesquisadores do mundo mais citados por outros colegas. Simal, Koyanagi, Luque e os dois colegas de laboratório de José Manuel Lorenzo (Mirian Pateiro e Rubén Domínguez) aparecem nessa lista, que é usada pela influente classificação de Xangai para designar as melhores universidades do planeta. Algumas instituições sauditas oferecem secretamente até 70.000 euros por ano na conta bancária dos Altamente Citados para que mintam no banco de dados do Clarivate e declarem que trabalham na Arábia Saudita.
O matemático Domingo Docampo, ex-reitor da Universidade de Vigo, também denuncia a existência de “fazendas de citações”: redes internacionais de pesquisadores que concordam em citar uns aos outros para subir artificialmente nas classificações internacionais. Historicamente, os estudos matemáticos mais citados vinham de universidades reconhecidas em todo o mundo, como Harvard, Stanford e Princeton, nos Estados Unidos. Agora, explica Docampo, é difícil encontrar uma instituição de referência nas primeiras posições, que são dominadas por universidades asiáticas de segundo nível.
O estudo matemático mais citado de 2022 foi um artigo sobre fluxo de calor em um nanomaterial, liderado por um pesquisador da Universidade King Abdulaziz, uma das instituições sauditas envolvidas no suborno de cientistas altamente citados. Esse artigo irrelevante acumulou mais de 430 citações em um único ano, em comparação com 24 do estudo mais citado de Princeton, de acordo com Docampo. “Na Arábia Saudita estão os xeiques da máfia das citações”, adverte ele. Esse artigo árabe já foi retratado depois que “alterações suspeitas” foram detectadas no último minuto, com três coautores da Índia e da Arábia Saudita adicionados às escondidas, de acordo com uma nota da editora Elsevier. Esse é um comportamento padrão na compra e venda de autoria. Isidro Aguillo, do CSIC, pede uma mão dura: “O problema não são os trapaceiros nem o sistema, porque se o sistema mudar, os trapaceiros se adaptarão. O problema é a impunidade.”
O cardiologista Gregory Lip, da Universidade de Liverpool, é o cientista que mais publica no mundo, com mais de 250 estudos por ano, de acordo com cálculos solicitados por este jornal a Ioannidis. É um ritmo que envolve assinar um artigo a cada dia e meio, trabalhando nos fins de semana. “Não há nada de errado com a produtividade em si. De fato, é bom que os cientistas sejam produtivos em vez de preguiçosos, mas o número de artigos não deve ser o mais importante”, diz Ioannidis. “O fato de muitos pesquisadores relativamente jovens na Espanha terem uma produtividade tão alta nos últimos anos é preocupante. Isso sugere que há um sistema de recompensa que incentivou essas taxas de publicação em massa”, reflete o professor de Stanford.
O guardião da qualidade das universidades espanholas é a Agencia Nacional de Evaluación de Calidad y Acreditación (ANECA). A agência começou em 2017 a exigir mais de cem estudos publicados como um mérito essencial para ser credenciado como professor em algumas especialidades. A nova diretora da agência, Pilar Paneque, atribui essas mudanças a um decreto real do governo de Mariano Rajoy. “Há um clamor de que isso é uma loucura e que estamos distorcendo o sentido do que a universidade e a ciência deveriam ser”, diz Paneque, que está no cargo há apenas três meses.
Todo o sistema é uma loucura e está custando milhões de euros. É por isso que agora é um excelente momento para mudá-lo Pilar Paneque, diretora da ANECA
“Em cada café, em cada universidade, há uma conversa sobre como nos jogamos nos braços do mercado editorial e sobre o custo que esse sistema está tendo em todos os sentidos”, diz a diretora da ANECA. As universidades espanholas e a maior organização científica da Espanha, o CSIC, pagam cerca de 43 milhões de euros por ano a quatro editoras (Elsevier, Wiley, Springer Nature e ACS) para que leiam suas revistas e publiquem mais estudos de acesso aberto nelas. Outras empresas, como a polêmica MDPI, também fecharam acordos individuais com várias universidades.
Eva Méndez, especialista em ciência aberta da Universidade Carlos III de Madri, faz uma crítica corrosiva ao sistema atual e ao “comportamento predatório” de todas as editoras científicas. “Pagar 43 milhões de euros por ano é uma barbaridade. Com esses 43 milhões de euros, poderíamos criar um sistema alternativo maravilhoso”, diz ele. Méndez cita o exemplo da Open Research Europe, uma plataforma apoiada pela Comissão Europeia em que os pesquisadores não pagam nem pela leitura nem pela publicação de seus estudos.
O diretor da ANECA envia uma mensagem de otimismo. “Justamente porque todos nós chegamos à exaustão diante dessas más práticas, porque o mercado editorial domina nossa atividade de pesquisa e porque isso é conhecido e criticado por todos, acredito que estamos em um momento perfeito para fazer todas as mudanças necessárias”, diz ela. O plano de Pilar Paneque é introduzir novos critérios para a avaliação de cientistas em janeiro de 2024, após a aprovação de um novo decreto real para substituir o polêmico decreto da era Rajoy. “Todo o sistema é uma loucura e está custando milhões de euros. É por isso que agora é um excelente momento para mudá-lo”, diz ela.