Resumo dos autores
Em resposta à pandemia de covid-19, as pesquisas em larga escala e a regulamentação farmacêutica avançaram em um ritmo dramático, e novas intervenções com eficácias comprovadas foram rapidamente incorporadas à prática clínica.
No entanto, a rápida geração de evidências de alta qualidade e o processamento eficiente da autorização regulatória trouxeram à tona versões mais específicas e complexas de questões conhecidas de ética em pesquisa.
Neste artigo, identificamos três dessas questões, usando como exemplo o licenciamento do molnupiravir, um novo antiviral que poderia reduzir a capacidade do SARS-CoV-2 de se multiplicar no corpo, para uso clínico no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e em um grande ensaio controlado e aleatorizado chamado Platform adaptive trial of novel antivirals for early treatment of covid-19iIn the community (PANORAMIC).
Ao analisar como a autorização do molnupiravir para uso clínico complica a valorização padrão de equipoise, o padrão de atendimento e o consentimento informado dos participantes do ensaio controlado aleatorizado PANORAMIC, explicaremos algumas das implicações éticas para os ensaios clínicos sobre a eficácia e a segurança da covid-19 e de outras terapias quando a autorização condicional já tiver sido concedida e quando os profissionais de saúde nacionais já tiverem disponibilizado esses tratamentos aos pacientes.
Comentários adicionais
Os autores presumem que, quando a equipoise é incerta, é preciso dar mais atenção a: (1) como os pacientes são randomizados para um grupo que, na opinião de especialistas, pode receber tratamento abaixo do padrão, e como isso afeta os médicos que devem promover e proteger os interesses dos pacientes; e (2) se o risco de participar de um experimento é aceitável. Essa situação também afeta a obtenção do consentimento informado, pois os pacientes devem receber informações completas sobre esses riscos.
De acordo com os autores, não se pode presumir que os resultados de um ensaio anterior com molnupiravir (Move-Out) ou as decisões das agências regulatórias (MHRA) e do sistema de saúde (NHS) resultarão na perda de equipoise em futuros ensaios clínicos, pois as decisões regulatórias podem não refletir a opinião de especialistas. Ou seja, os especialistas podem não achar que o molnupiravir é um tratamento útil. Além disso, nesse caso, as decisões do NHS e da MHRA para o uso do molnupiravir foram mais amplas do que as demonstradas no ensaio Move-out.
Se todos os especialistas concordassem com a superioridade do tratamento com molnupiravir, a equipoise seria perdida. Entretanto, dizem os autores, essa posição dos especialistas é compatível com a aceitação de que seria desejável obter mais e melhores informações sobre a eficácia do molnupiravir. Se não fosse uma emergência de saúde, é provável que os testes clínicos de Fase 3 tivessem sido realizados com outros grupos de pacientes antes de conceder a permissão de comercialização do antiviral. No entanto, os autores concluem que não seria ético incluir pacientes que teriam sido elegíveis para participar do ensaio Move-Out em ensaios controlados por placebo ou de atenção usual.
Na época do ensaio PANORAMIC no Reino Unido, o tratamento padrão para covid para os participantes que atendiam aos critérios de inclusão do PANORAMIC era o molnupiravir.
Outra preocupação dos autores foi se, ao inscrever pacientes no PANORAMIC, eles deveriam ser lembrados de que, se não se inscrevessem no ensaio, receberiam tratamento com molnupiravir, ao passo que, se participassem do ensaio, teriam 50% de chance de não o receber. O artigo conclui que os possíveis participantes têm o direito de receber todas as informações disponíveis.
Essas considerações não são específicas para ensaios relacionados à covid, mas podem ser aplicadas a qualquer situação para a qual tenha sido concedida uma aprovação acelerada ou condicional.
Quando a equipoise é perdida para a intervenção a ser testada, e a alocação a um braço do ensaio impediria o acesso do participante a um tratamento aprovado e disponível, esses grupos de pacientes devem ser identificados antes do início do recrutamento para o ensaio, e somente os participantes que o CEP considerar que têm um nível de risco que os pacientes poderiam concordar em assumir, e se tiverem sido adequadamente informados e souberem que, se não se inscreverem no ensaio, poderão ter acesso a um tratamento fora do ensaio e, ainda assim, optarem por aceitar o risco.