Introdução: O registro prospectivo de ensaios clínicos possibilita melhorar a certeza da evidência e a transparência na pesquisa, algo particularmente relevante na área de saúde mental – em que os desfechos subjetivos são frequentes e baseados em escalas e testes psicológicos – como ocorre com o transtorno bipolar (TB). Mas para que o registro de ensaios clínicos tenha impacto, é necessário que as informações estejam bem descritas no registro, em especial com relação à apropriada descrição dos desfechos e modo de avaliá-los.
Objetivo: Identificar, caracterizar e descrever os desfechos e a completude do seu relato em registros de etudos clínicos de intervenções farmacológicas para o tratamento de pacientes com TB.
Material e Métodos: Registros de ensaios de fase III, cadastrados na plataforma ClinicalTrials.gov, foram recuperados, sem restrição de data, e categorizados de acordo com data de início do ensaio, data do registro e se foram realizados de forma prospectiva, tipo de TB, idade dos participantes, fonte de financiamento, status do recrutamento, disponibilidade dos resultados na plataforma e quais as intervenções avaliadas (medicamento e sua classe farmacológica). Os desfechos foram extraídos e classificados de acordo com: aspecto avaliado (eficácia, segurança e outros); fase de manifestação do transtorno ou equivalente; tipo de variável, métrica empregada e o parâmetro de avaliação; o objeto de avaliação (detalhamento do que foi avaliado), tipo de desfecho (latente ou objetivo), qual a ferramenta utilizada na avaliação de desfechos latentes e o tempo de seguimento para cada desfecho. As informações coletadas serviram de base na avaliação da completude do relato dos desfechos.
Resultados e Discussão: foram analisados 247 registros que incluíram 1.594 desfechos. O número de desfechos variou de zero a 51 por registro, com média 6,5 ± 7,2 desfechos/registro. A frequência daqueles relacionados à eficácia foi muito superior aos relacionados à segurança (1.131; 71% versus 332; 20,8%). A maioria das variáveis propostas eram do tipo latente (1.258; 78,9%) e avaliadas de maneira quantitativa contínua (1.095; 68,7%) – principalmente caracterizada por avaliações de mudança em relação ao valor basal (1.003; 62,9%). O objeto de avaliação mais frequente foi a melhora dos sintomas bipolares avaliados por escala (641; 40,2%), sendo a Clinical Global Impression Scale (CGI) a mais empregada (231;17,1%). Os desfechos foram avaliados em sua maioria (610; 38,3%) num curto prazo (3 a 8 semanas). Um total 43,9% (669) dos desfechos foi reportado de maneira completa, ao considerar apenas os desfechos primários, a proporção de relatos completos foi menor 33,6% (83). Não parece haver relação entre o número de desfechos no registro e a completude, pois a quantidade de desfechos não foi maior entre aqueles registros com nenhum desfecho completo.
Conclusão: Na nossa amostra, de 1.594 desfechos, 669 (43,9%) tiveram a descrição classificada como completa; entre os 247 registros incluídos, apenas 74 registros (30,0%) tiveram 50% ou mais de seus desfechos descritos de forma completa e a maioria 143 (57,9%) não apresentou descrição completa para nenhum de seus desfechos, ainda que a mediana de desfechos propostos entre esses registros tenha sido 1. Apesar dos avanços no registro de ensaios, a descrição incompleta ou parcial de como um desfecho será avaliado permanece um problema que pode favorecer o viés de relato seletivo de desfechos e prejudicar a transparência na pesquisa.