Una organización internacional sin ánimo de lucro para fomentar el acceso y el uso adecuado de medicamentos entre la población hispano-parlante

Integridade da Ciência e das Publicações

A situação se tornou assustadora: artigos científicos falsos levam a credibilidade da pesquisa para uma crise

(The situation has become appalling’: fake scientific papers push research credibility to crisis point)
Robin McKie
The Guardian, 3 de fevereiro de 2024
https://www.theguardian.com/science/2024/feb/03/the-situation-has-become-appalling-fake-scientific-papers-push-research-credibility-to-crisis-point
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ética 2024; 2(3)

Tags: revistas médicas predatórias, pesquisas falsas, revisão por pares comprometida, propinas a editores de revistas, fábricas de documentos, fábricas de publicações, paper mills, Hindawi, Wiley, publicar ou perecer

No ano passado, 10.000 artigos fraudulentos tiveram que ser retratados por periódicos acadêmicos, mas os especialistas pensam que isso é apenas a ponta do iceberg

Dezenas de milhares de pesquisas fraudulentas estão sendo publicadas em periódicos em um escândalo internacional que se agrava a cada ano, alertaram os pesquisadores. A pesquisa médica está sendo comprometida, o desenvolvimento de medicamentos prejudicado e pesquisas acadêmicas promissoras colocadas em risco devido a uma onda global de ciência fraudulenta que está se espalhando por laboratórios e universidades.

No ano passado, o volume anual de artigos retratados por periódicos de pesquisa ultrapassou 10.000 pela primeira vez. A maioria dos analistas acredita que esse número é apenas a ponta de um iceberg de fraudes científicas [1].

“A situação se tornou assustadora”, disse a professora Dorothy Bishop, da Universidade de Oxford. “O nível de publicação de artigos fraudulentos está criando sérios problemas para a ciência. Em muitas áreas, está se tornando difícil construir uma abordagem cumulativa para um assunto, porque falta uma base sólida de descobertas confiáveis. E isso está ficando cada vez pior”.

O aumento alarmante na publicação de artigos científicos fraudulentos tem suas origens na China, onde jovens médicos e cientistas que buscando serem promovidos eram obrigados a ter publicado artigos científicos. Organizações clandestinas, conhecidas como “fábricas de artigos”, começaram a fornecer trabalhos fabricados para publicação em periódicos chineses.

Desde então, a prática se espalhou para a Índia, par o Irã, para a Rússia, para os estados da antiga União Soviética e a para a Europa Oriental, com as fábricas de artigos fornecendo estudos fabricados para um número cada vez maior de periódicos [2], conforme um número crescente de jovens cientistas tenta impulsionar suas carreiras alegando falsa experiência em pesquisas. Em alguns casos, os editores de periódicos eram subornados para aceitarem artigos, enquanto as fábricas de artigos conseguiam que seus próprios agentes se tornassem editores convidados, permitindo assim a publicação de resmas de trabalhos falsificados.

“Os editores não estão cumprindo suas funções adequadamente, e os revisores de pares não estão fazendo seu trabalho. E alguns estão recebendo grandes quantias de dinheiro”, disse a professora Alison Avenell, da Universidade de Aberdeen. “Isso é extremamente preocupante.”

Os produtos das fábricas de artigos muitas vezes se parecem com artigos comuns, mas são baseados em roteiros nos quais nomes de genes ou doenças são inseridos de forma aleatória entre tabelas e figuras fictícias. É preocupante o fato de que esses artigos podem ser incorporados aos grandes bancos de dados usados por quem trabalha na descoberta de medicamentos.

Outros são mais bizarros e incluem pesquisas não relacionadas ao campo de um periódico, deixando claro que não houve revisão por pares em relação a esse artigo. Um exemplo é um artigo sobre ideologia marxista que foi publicado no periódico Computational and Mathematical Methods in Medicine. Outros se destacam pela estranha linguagem que utilizam, incluindo referências a “bosom peril” em vez de câncer de mama e “Parkinson’s ailment” em vez de doença de Parkinson.

Grupos de fiscalização – como o Retraction Watch – têm percebido o problema e observado retratações por periódicos que foram forçados a tomar medidas em ocasiões em que as fabricações foram desvendadas. Um estudo, realizado pela Nature [3], revelou que em 2013 houve pouco mais de 1.000 retratações. Em 2022, o número chegou a 4.000, antes de pular para mais de 10.000 no ano passado.

Desses últimos, mais de 8.000 artigos retratados foram publicados em periódicos que pertencem à Hindawi, uma subsidiária da editora Wiley, números que agora forçaram a empresa a agir. “Vamos encerrar a marca Hindawi e começamos a integrar totalmente os mais de 200 periódicos da Hindawi ao portfólio da Wiley”, disse um representante da Wiley ao Observer.

O representante acrescentou que a Wiley já havia identificado centenas de fraudadores presentes em seu portfólio de periódicos, assim como aqueles que ocupavam cargos editoriais como convidados. “Nós os removemos de nossos sistemas e continuaremos adotando uma abordagem proativa (…) em nossos esforços para limpar o registro acadêmico, fortalecer nossos processos de integridade e contribuir para soluções na indústria”.

Mas a Wiley insistiu que não poderia enfrentar a crise sozinha, uma mensagem que ecoou em outras editoras, que dizem estar sob o cerco das fábricas de artigos. Porém, os acadêmicos continuam sendo cautelosos. O problema é que, em muitos países, os acadêmicos são remunerados de acordo com o número de artigos que publicaram.

“Se você tiver um número crescente de pesquisadores que estão sendo fortemente incentivados a publicar apenas por publicar, enquanto temos um número crescente de periódicos ganhando dinheiro com a publicação dos artigos resultantes, temos uma tempestade perfeita”, disse o professor Marcus Munafo, da Universidade de Bristol. “É exatamente isso que temos agora.”

O dano causado ao publicar pesquisas ruins ou fabricadas é demonstrado pelo medicamento antiparasitário ivermectina. Os primeiros estudos de laboratório indicaram que ele poderia ser usado para tratar a Covid-19 e foi aclamado como um medicamento milagroso. Porém, foi descoberto mais tarde que esses estudos mostravam evidências claras de fraude, e as autoridades médicas se recusaram a aprová-lo como um tratamento para a Covid.

“O problema é que a ivermectina foi usada pelos anti-vacinas para dizer: ‘Não precisamos de vacinação porque temos esse medicamento maravilhoso'”, disse Jack Wilkinson, da Universidade de Manchester. “Mas muitos dos ensaios que deram base a essas alegações não eram verdadeiros.”

Wilkinson acrescentou que ele e seus colegas estavam tentando desenvolver protocolos que os pesquisadores pudessem aplicar para mostrar a autenticidade dos estudos que eles poderiam incluir em seus próprios trabalhos. “Durante a pandemia, surgiram alguns trabalhos científicos excelentes, mas também havia um mar de pesquisas ruins. Precisamos de meios para identificar dados de baixa qualidade desde o princípio.”

O perigo representado pelo surgimento das fábricas de artigos e dos artigos de pesquisa fraudulentos foi enfatizado pelo professor Malcolm MacLeod, da Universidade de Edimburgo. “Se, como cientista, eu quiser verificar todos os artigos sobre um determinado medicamento que pode ser direcionado para cânceres ou casos de infarto, é muito difícil para mim evitar aqueles que são fabricados. O conhecimento científico está sendo poluído por material inventado. Estamos enfrentando uma crise”.

Esse ponto foi apoiado por Bishop: “As pessoas estão construindo carreiras com base nessa onda de ciência fraudulenta e podem acabar comandando institutos científicos e, eventualmente, serem usadas por periódicos tradicionais como revisores e editores. A corrupção está se infiltrando no sistema”.

Referências

  1. Oransky, I., Marcus, A. There’s far more scientific fraud than anyone wants to admit. The Guardian, 9 de agosto de 2023. https://www.theguardian.com/commentisfree/2023/aug/09/scientific-misconduct-retraction-watch
  2. Hern, A., Duncan, P. Predatory publishers: the journals that churn out fake science. The Guardian, 10 de agosto de 2018. https://www.theguardian.com/technology/2018/aug/10/predatory-publishers-the-journals-who-churn-out-fake-science
  3. Van Noorden, R. More than 10,000 research papers were retracted in 2023 — a new record. Nature, 12 de diciembre de 2023. https://www.nature.com/articles/d41586-023-03974-8
creado el 15 de Noviembre de 2024